Os desafios dos petrechos parte 3 – impactos na fauna e na atividade pesqueira

Ao longo dessa série falamos das várias consequências associadas aos petrechos de pesca que se encontram perdidos no mar. Primeiro, apresentamos o conceito de organismos incrustantes, mostrando que os petrechos – e o lixo no mar em geral – podem ser vetores de espécies invasoras. Em seguida, mostramos que os microplásticos integram todo o ciclo de vida dos petrechos, desde a geração desses objetos até a sua reinserção na economia circular. Agora, nesta terceira postagem da série, abordaremos a pesca involuntária. Além de introduzir o tema, vamos mostrar como esse desafio afeta o segmento pesqueiro, e como as ações do Projeto Petrechos visam reduzir essas consequências.

A pesca involuntária é um processo passivo e que ocorre sem controle humano, causando o emaranhamento de organismos em petrechos de pesca perdidos na água. Os petrechos podem ser perdidos quando ficam presos em obstáculos ou estruturas sólidas (também chamadas de pegadores), como pedras, parceis e lajes, ou quando as águas estão mais revoltas em um mar de tempestade, por exemplo. Mas nem todo petrecho perdido irá causar esse tipo de pesca. Os tipos mais comuns são as  redes de emalhe, as armadilhas para crustáceos e as linhas de pesca (Matsuoka et al., 1997), geralmente feitas de monofilamento de poliamida. Acredita-se que é justamente a menor espessura do monofilamento que leva à pesca involuntária, já que a visibilidade desses petrechos na água fica reduzida (Kozioł et al., 2022). Entre os muitos organismos de importância ecológica e econômica já encontrados em petrechos de pesca involuntária, podemos citar a merluza (Queirolo & Gaete, 2014), a sardinha (Ayaz et al., 2006) e a tainha (Masompour et al., 2018).

As consequências negativas da pesca involuntária na própria cadeia produtiva pesqueira podem ser  bastante variadas. As redes novas e operantes podem rasgar-se quando enganchadas em petrechos perdidos, e o sucesso da pescaria pode ser reduzido. Em segundo lugar, peixes que são capturados pelos petrechos perdidos não são vendidos, acarretando uma perda financeira ao próprio pescador. Assim, a remoção de petrechos perdidos é uma ação importante e necessária para a manutenção da pesca. Como exemplo, a pesca de siri-azul em Chesepeake Bay, nos EUA, teve um aumento de produtividade de 27% após a retirada de mais de 34 mil armadilhas que haviam sido perdidas no mar, totalizando um excedente de 20 milhões de dólares no lucro daquele ano (Kozioł et al., 2022). Por último, para além de impactos à biodiversidade – que são difíceis de calcular –, a imagem de organismos presos nesses materiais perdidos também afeta a percepção da atividade de pesca perante a opinião pública.

As ações do Projeto Petrechos de Pesca, que visam o mapeamento do fundo marinho (Figura 1) e o recolhimento de materiais de pesca através dos nossos Pontos de Entrega Voluntária (Figura 2), são essenciais para contribuir para a resolução deste problema. Através da caracterização do fundo marinho somos capazes de identificar estruturas sólidas e anomalias que podem levar ao emaranhamento de materiais de pesca. Por sua vez, este mapeamento pode auxiliar gestores ambientais a definir estratégias para evitar a pesca involuntária, e informar pescadores para que estes não percam materiais no mar. Já o processamento de petrechos e o encaminhamento à reciclagem ou ao reuso também contribuem para a destinação apropriada e segura destes resíduos. Uma visão integrada acerca das consequências decorrentes dos petrechos perdidos no mar é essencial, já que estes também podem servir de substrato a espécies invasoras, e seu desgaste pode causar a liberação de compostos químicos e de microplásticos na água.

Figura 1. Redes de emalhe recebidas pela equipe do Projeto Petrechos de Pesca e armazenadas no Ecoponto do Pescador, em Ubatuba (SP).

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Descrição gerada automaticamente

Figura 2. Mapeamento do fundo marinho realizado pelo Projeto Petrechos de Pesca ao redor do Parque Estadual da Ilha Anchieta, em Ubatuba (SP). A área em amarelo indica o mosaico da batimetria determinada por sonar e varredura, e o detalhe indica uma feição rochosa.

Como visto até aqui, os desafios dos petrechos no mar são múltiplos e interligados. Neste sentido, as ações do nosso projeto podem levar à valorização da imagem do setor pesqueiro ao propor um modelo voluntário e padronizado de descarte dos petrechos. Por enquanto é só; voltamos na próxima postagem. Até!

Referências

Ayaz A, Acarli D, Altinagac U, Ozekinci U, Kara A, Ozen O. 2006. Ghost fishing by monofilament and multifilament gillnets in Izmir Bay, Turkey. Fisheries Research 79(3): 267-271.

Kozioł A, Paso KG, Kuciel S. 2022. Properties and recyclability of abandoned fishing net-based plastic debris. Catalysts 12(9): 948.

Masompour Y, Gorgin S, Pighambari SY, Karimzadeh G, Babanejad M, Eighani M. 2018. The impact of ghost fishing on catch rate and composition in the southern Caspian Sea. Marine Pollution Bulletin 135: 534-539.

Matsuoka T, Osako T, Miyagi M. 1997. Underwater observation and assessment on ghost fishing by lost fish-traps. In: Zhou Y, Zhou H, Yao C, Lu Y, Hu F, Chui H, Din F (eds). Fourth Asian Fisheries Forum. Asian Fisheries Society, Pequim.

Nakashima T, Matsuoka T. 2004. Ghost-fishing ability decreasing over time for lost bottom-gillnet and estimation of total number of mortality. Bulletin of the Japanese Society of Scientific Fisheries (Japan) 70(5): 728-737.

Queirolo D, Gaete E. 2014. Experimental study of ghost fishing by gillnets in Laguna Verde Valparaíso, Chile. Latin American Journal of Aquatic Research 42(5): 1189-1193.

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