Qualquer material sólido no mar está sujeito à adesão de organismos incrustantes, o que já discutimos em outra postagem. À medida que recebemos e separamos os petrechos inservíveis em nossos pontos de entrega voluntária (PEVs) no Perequê-Açu, no Cais do Frediani, no Cais do Alemão, no Caisão e no Saco da Ribeira, todos em Ubatuba (SP), recebemos muitos objetos com diferentes espécies de algas e animais associados. Cada visita é uma surpresa! Em junho do ano passado, um dos cabos de atracação descartados no PEV Ribeira estava altamente incrustado, como de costume. Mas dessa vez, algo nele chamou a atenção da equipe.
Vários organismos que vêm nos petrechos recebidos pelo projeto não são nativos das nossas águas e podem causar distúrbios na comunidade local por meio de competição. Um deles é o coral-sol, espécie que chegou ao Brasil ainda nos anos 1980 e que encontramos com certa frequência no nosso material. Nesse cabo em específico, porém, encontramos esponjas, cracas, mexilhões marrons, e… três mexilhões de cor verde. Já estamos acostumados a encontrar o mexilhão marrom Perna perna nos petrechos, sendo essa espécie cultivada há anos no litoral paulista, e não é incomum achar indivíduos de P. perna ligeiramente esverdeados. Mas estes mexilhões eram muito verdes. Seguindo nosso protocolo de conservação, os organismos foram removidos do cabo e preservados em álcool. De volta no laboratório, os mesmos foram fotografados e submetidos a uma análise morfológica. Seguindo a literatura, chegamos à conclusão que era uma espécie diferente, dentro do gênero Perna, e de ocorrência ainda pouco estudada no nosso país. Essa espécie, conhecida como Perna viridis, nem tinha um registro publicado no estado de São Paulo!

Indivíduos de P. viridis coletados na Baía de Ubatuba pelo Projeto Petrechos de Pesca em fevereiro de 2025.
O primeiro registro dessa espécie no Brasil foi obtido no Rio de Janeiro, a partir de amostras coletadas em 2018, e recentemente também foram observados os mexilhões verdes no estado do Paraná – sempre associados a substratos artificiais. A partir de conversas com colegas que estudam esse grupo de animais e de relatos na mídia, é muito provável que o P. viridis já esteja espalhado por todo o litoral paulista. Além de competir com o P. perna dentro dos cultivos, uma preocupação é que essa espécie comece a colonizar o ambiente natural, passando a interagir com organismos nativos. A proximidade do Saco da Ribeira do Parque Estadual da Ilha Anchieta, uma área de preservação, é mais um alerta. E para entender melhor esse processo de invasão e a possibilidade do consumo, serão necessários estudos de monitoramento ambiental e de avaliação de risco ecológico e sanitário.
Para saber mais, a publicação detalhando o registro do mexilhão verde em Ubatuba pode ser acessada aqui (em inglês).
