Degradar ou reaproveitar: a importância dos microplásticos para os petrechos de pesca

Quando recebemos os petrechos descartados nos Pontos de Entrega Voluntária, ou removemos material dos arredores da Ilha Anchieta, é sempre empolgante pensar nos números grandes: quantos quilômetros de redes e cabos sem serventia podem atender outros propósitos sustentáveis, seja no reuso ou na reciclagem. Embora seja muito importante pensar no alcance do projeto em grande escala, é também necessário voltar a nossa atenção para um ponto mais diminuto dos petrechos. Neste texto, o segundo da série sobre os problemas dos petrechos de pesca, vamos falar sobre um dos principais componentes do lixo no mar, em termos de quantidade e alcance: os microplásticos.

Uma das etapas da caracterização dos petrechos é a determinação do polímero sintético predominante – como poliéster, polietileno ou poliamida –, e do diâmetro do fio (Figura 1). A partir dessa medição, conseguimos agrupar e quantificar os materiais similares, e são essas informações que embasam nossas análises. Como a maior parte do material que recolhemos é inservível, ou seja, já cumpriu seu objetivo e está fora das condições de uso, é muito comum que essas medições do diâmetro do fio sejam bem variáveis, devido ao desgaste natural.

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Figura 1. Material recolhido pelo Projeto Petrechos de Pesca no Ponto de Entrega Voluntária do Cais da Ribeira, município de Ubatuba. À esquerda, emaranhado de redes e cabos de atracação. À direita, membro da equipe realiza a medição do diâmetro do fio da rede.

A degradação dos fios das linhas, redes e cabos por processos físico-químicos faz com que uma parte desses petrechos seja perdida para o ambiente. Essa perda é causada pela liberação dos microplásticos (MPs), partículas menores que cinco milímetros e que normalmente assumem o formato de fibras e fragmentos. Todos os plásticos que usamos no dia a dia têm o potencial para liberar MPs, e quanto mais usamos esses objetos, mais eles se degradam. Os MPs podem ser encontrados na totalidade do ambiente marinho, no ar que respiramos e até na água potável. É difícil determinar o impacto dos MPs no nosso organismo, mas pesquisas recentes associam a ingestão de MPs ao aumento do estresse oxidativo, que pode danificar o DNA, e no agravamento da resposta imunológica (recapitulado por Li et al., 2023).

Ainda são poucos os estudos que tentam documentar a perda ambiental de MPs a partir de petrechos de pesca. Em 2017, Welden e Cowie realizaram o monitoramento experimental, ao longo de 12 meses, da degradação de diferentes polímeros de cabos. A partir da imersão a 10 metros de profundidade no mar, foi observado que os petrechos ficaram mais leves e enfraquecidos. Os pesquisadores concluíram que a abrasão, a exposição à radiação solar, e a incrustação de organismos (como já discutimos aqui) foram as principais causas. E em 2021, Wright e colaboradores quantificaram a perda de MPs em cabos mono e multifilamento trançado e torcido, estimando que esses petrechos de pesca liberam quase 2000 MPs por metro da faixa de praia.

Mesmo considerando os aspectos negativos associados ao MPs, os mesmos são um ponto chave para o reprocessamento dos petrechos de pesca em usinas de reciclagem. A utilização de máquinas extrusoras permite a transformação de grandes extensões de redes de pesca fora de uso em pequenas esferas, os pellets (Figura 2). Pellets são então a matéria-prima para a geração de outros produtos plásticos, podendo ser moldados em novos formatos e assumir outros propósitos. Portanto, um dos objetivos do Projeto Petrechos de Pesca – a destinação correta do material recuperado do mar –, também passa pela transformação de petrechos em microplásticos.

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Figura 2. Redes de poliamida removidas do mar, rastreadas e então reprocessadas por extrusão mecânica. À esquerda, manipulação de panos de redes desmontadas. À direita, pellets resultantes do processo de extrusão das redes, sem aditivos ou corantes. Imagem cedida pelo Projeto Blue Line System.

Mas vale ressaltar que esses mesmos pellets são a principal fonte de MP virgem no mar. É comum encontrarmos pellets associados ao sedimento arenoso da praia, e essas partículas chegam ali através do despejo não intencional durante o manuseio, transporte e armazenamento nas usinas produtoras e de reciclagem (Kallenbach et al., 2022), já que as partículas são muito pequenas. E uma vez dispersos no ambiente, os pellets podem ser ingeridos por organismos marinhos dos mais variados tamanhos, do plâncton até as baleias (Besseling et al., 2015). Seria então possível promover a reciclagem do plástico e ao mesmo tempo minimizar a liberação de pellets para o ambiente?

O grande problema dos MPs está na falta de controle sobre onde – e como – eles são liberados. Isso se aplica tanto ao MP proveniente da degradação dos petrechos quanto dos pellets perdidos nas etapas de (re)processamento (Karlsson et al., 2018). O uso de polímeros mais resistentes, o controle de qualidade em usinas que realizam o manuseio de plásticos, o desenvolvimento de tecnologias para coletar MP ambiental e a redução no uso de objetos descartáveis são alguns aspectos que precisam ser continuamente estimulados. A implementação de políticas que visem a mitigação de MPs e lixo no mar em larga escala é algo urgente e não trivial, e necessita de um esforço conjunto entre quem produz os plásticos, e nós, que consumimos esse material.

Voltamos na próxima postagem para mostrar mais problemas dos petrechos dentro e fora do mar. Até!

Referencias:

Besseling, E., Foekema, E. M., Van Franeker, J. A., Leopold, M. F., Kühn, S., Rebolledo, E. B., … & Koelmans, A. A. (2015). Microplastic in a macro filter feeder: humpback whale Megaptera novaeangliae. Marine pollution bulletin95(1), 248-252.

Kallenbach, E. M., Eriksen, T. E., Hurley, R. R., Jacobsen, D., Singdahl-Larsen, C., & Friberg, N. (2022). Plastic recycling plant as a point source of microplastics to sediment and macroinvertebrates in a remote stream. Microplastics and Nanoplastics2(1), 1-15.

Karlsson, T. M., Arneborg, L., Broström, G., Almroth, B. C., Gipperth, L., & Hassellöv, M. (2018). The unaccountability case of plastic pellet pollution. Marine pollution bulletin129(1), 52-60.

Li, Y., Tao, L., Wang, Q., Wang, F., Li, G., & Song, M. (2023). Potential health impact of microplastics: a review of environmental distribution, human exposure, and toxic effects. Environment & Health1(4), 249-257.

Welden, N. A., & Cowie, P. R. (2017). Degradation of common polymer ropes in a sublittoral marine environment. Marine pollution bulletin118(1-2), 248-253.

Wright, L. S., Napper, I. E., & Thompson, R. C. (2021). Potential microplastic release from beached fishing gear in Great Britain’s region of highest fishing litter density. Marine Pollution Bulletin173, 113115.

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